42 Plágio e Outras Condutas Antiéticas
42 Plágio e Outras Condutas Antiéticas
No âmbito da comunicação técnico-científica, o plágio e as demais condutas antiéticas se dão quando o autor, por intenção ou negligência, transgride os valores e princípios das relações entre autores e da integridade ética da pesquisa científica e/ou desenvolvimento tecnológico. Não se deve, no entanto, confundir com erro cometido de boa-fé nem com divergências honestas em matéria de compartilhamento de informações e conhecimentos técnicos, científicos e tecnológicos.
Tomando-se por base as observações e orientações do Código de boas práticas científicas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (2014) (bem como de algumas outras fontes específicas citadas), apresentam-se, a seguir, breves descrições dos tipos de condutas antiéticas a serem evitadas nas publicações de autores da Embrapa.
42.1 Tipos de condutas antiéticas
As práticas que evidenciam conduta antiética podem ser categorizadas em mais graves e menos graves (Grieger, 2007; Santos, 2011; Smolčić, 2013; Spinak, 2014).
Os principais desvios de conduta mais graves são:
- Plágio.
- Fabricação de dados.
- Falsificação de dados e informações, procedimentos e resultados.
Os principais desvios de conduta menos graves são:
- Atribuição incorreta de autoria.
- Autoplágio.
- Ocultação de potenciais conflitos de interesse.
- Conservação inadequada de registros.
- Omissão e retenção de informações.
- Autoria-fantasma.
- Duplicação de publicação.
- Publicação-salame.
42.1.1 Plágio
O plágio consiste na utilização de ideias ou formulações verbais, orais ou escritas de outros autores sem dar a eles o crédito devido, levando à percepção equivocada, por parte de quem lê, de que tais ideias ou formulações sejam de sua própria autoria. O plágio pode assumir diferentes formas e intensidades — da cópia literal à paráfrase sem a devida citação do trabalho que as originou. Trata-se de desvio de conduta grave, mesmo que seja cometido por desconhecimento das regras ou falta de informação, e não necessariamente por má-fé. Além de ser passível de sanções editoriais (como a retratação de obras já publicadas), o plágio pode, em alguns casos, caracterizar crime tipificado no Código Penal Brasileiro (Brasil, 1940).
Para evitar incorrer em plágio, o conteúdo textual a ser publicado deve ser original, e o aproveitamento de conteúdos de outros autores deve ser devidamente contextualizado com uso de citações e referências.
Alguns tipos de plágio são (Krokoscz, 2012):
- Plágio direto — Ocorre quando o autor copia na íntegra um conteúdo de outro autor, sem a devida indicação de que é uma citação e sem a referência à obra original.
- Plágio indireto — Ocorre quando o autor usa paráfrases, ideias sistematizadas ou mesmo de palavras-chave elaboradas por outros autores, sem a devida referência à obra original.
- Plágio de fontes — Ocorre quando o autor aproveita fontes citadas por outro autor (fonte secundária) e as utiliza como se tivesse consultado os documentos originais (fontes primárias).
- Autoplágio — Ver seção 42.1.4.
Para evitar a caracterização de plágio, pode-se adotar os seguintes cuidados (Plagiarism.org, 2021):
- O autor deve sempre destacar a novidade e a originalidade de seu trabalho em relação à literatura, seja na introdução da nova obra, nas discussões (enfatizar resultados novos, que contribuam para o avanço no conhecimento) ou nas conclusões do trabalho.
- O autor pode e deve se basear em experts e autoridades nos assuntos abordados em seu trabalho, mas o simples reconhecimento por meio de citações nem sempre é suficiente. É muito importante que o autor desenvolva o tema já publicado e dê um enfoque novo ao assunto.
- O autor pode fazer extenso uso de citações, mas é fundamental que deixe claro qual é a contribuição original de seu trabalho em relação às citações utilizadas. Essa é, até mesmo, uma eficiente ferramenta para a escolha de quais citações utilizar ao longo do corpo do texto do trabalho.
Existem diversas ferramentas de detecção de plágio em documentos submetidos para publicação, que visam garantir a originalidade da obra publicada por parte de editores, casas editoriais e periódicos científicos. A maioria dessas ferramentas, entretanto, é paga ou possui limitações em suas versões gratuitas. Mesmo assim, existem algumas gratuitas de boa qualidade, como CopySpider (2022), Plagiarism Detect (Plagiarism-detect.com, 2022) e Plagium (2022).
Essas ferramentas possibilitam, em geral, o upload de documentos para verificação de similaridade com milhões de artigos, livros e outras publicações técnico-científicas e bilhões de páginas da internet.
Há que se destacar, no entanto, que os sistemas de verificação de plágio checam apenas o formato textual dos manuscritos, sem terem competência para checar o conteúdo apresentado nem as ideias propostas para discussão. Portanto, especialmente quando uma destas ferramentas detectar similaridade com outras publicações, especialistas no assunto devem fazer uma avaliação caso a caso, mesmo que isso agregue um olhar relativamente subjetivo no processo.
42.1.2 Fabricação de dados e falsificação de dados e informações, procedimentos e resultados
A fabricação de dados consiste em falso relato de obtenção de dados e resultados ou na realização de procedimentos inventados, de forma intencional ou consciente, e eventualmente publicados.
Já a falsificação ou distorção consiste na apresentação de dados, resultados, procedimentos ou informações de terceiros de maneira modificada, imprecisa ou incompleta, comprometendo a confiabilidade dos resultados, conclusões ou recomendações.
Ambas são condutas antiéticas graves e, por serem fraudes caracterizadas, não têm atenuantes que as justifiquem.
42.1.3 Atribuição incorreta de autoria
Em qualquer trabalho técnico-científico, somente devem ser indicados como autores aqueles que tenham realmente dado contribuições intelectuais diretas e substanciais nas fases de concepção e redação de todo o conteúdo da obra. A simples revisão textual ou cessão de recursos infraestruturais ou financeiros para a elaboração da obra não são condição suficiente para indicação de autoria.
Para definições de “autor” e “colaborador”, consultar a seção 2.
42.1.4 Autoplágio
O autoplágio consiste na utilização de ideias ou formulações já publicadas pelo próprio autor, levando à percepção equivocada, por parte de quem lê, de que tais informações sejam originais e inéditas. Tal prática deve ser evitada sempre que possível, pois trata-se de uma conduta antiética, especialmente quando omitida do leitor.
O reaproveitamento, parcial ou integral, de qualquer informação já publicada pelo próprio autor, caso houver, deve ser assinalado no novo trabalho. Recomenda-se que o autor também tome o cuidado de, na redação de seu trabalho, especificar possíveis avanços e novidades presentes no novo trabalho em relação aos já anteriormente publicados.
Por honestidade editorial, o uso de conteúdo já publicado anteriormente (seja na integra, seja somente com ajustes gramaticais e ortográficos, seja em versão revista, atualizada e ampliada do texto) deve ser informado em nota (localizada no verso da folha de rosto, caso o reaproveitamento seja feito em obra de autoria individual ou coautoria, ou no rodapé da página de abertura do capítulo, caso o reaproveitamento seja feito em obra coletiva) contendo a identificação da obra.
Exemplo de nota em verso de folha de rosto:
Esta publicação é uma versão revista, atualizada e ampliada da obra originalmente publicada em 2015 pela Embrapa Cerrados, na Série Documentos, sob o título Método de pesquisa qualitativa aplicado à avaliação de necessidades tecnológicas.
Exemplo de nota em rodapé:
1 Reprodução, com ajustes gramaticais e ortográficos, da obra publicada originalmente por Kuirkeixa et al. (2018).
[Neste caso, informar a referência completa da obra original na lista de referências ao fim do capítulo.]
Atenção
Antes de se reaproveitar parcialmente ou integralmente qualquer conteúdo textual já publicado anteriormente, ainda que pelo próprio autor, é fundamental verificar previamente em que situação patrimonial se encontra a obra original. Caso os direitos autorais patrimoniais não sejam mais do autor, é necessário adotar os procedimentos contratuais previamente, a fim de evitar conflitos futuros de violação de direitos patrimoniais.
42.1.5 Ocultação de potenciais conflitos de interesse
O potencial conflito de interesse se dá quando a coexistência entre o interesse do pesquisador em fazer avançar a ciência ou o desenvolvimento tecnológico e os interesses de outras naturezas (financeiros, legais, etc.), mesmo que sejam legítimos, possa ser percebida como prejudicial à manutenção da objetividade e imparcialidade na condução do trabalho, independentemente da vontade do pesquisador (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, 2014). Assim, a ocultação de potenciais conflitos de interesse é uma prática que evidencia conduta antiética.
Assim, uma obra que apresente resultados obtidos em situação de potencial conflito de interesses deve deixar clara e destacada a declaração de existência desse conflito, explicitando todas as fontes de apoio, mesmo nos casos em que o pesquisador esteja convencido de que o conflito não prejudicará as decisões científicas.
42.1.6 Conservação inadequada de registros
Os registros de pesquisa (dados e informações coletadas, procedimentos realizados e resultados parciais obtidos no curso da realização de uma pesquisa) devem ser mantidos, em regra, por até 5 anos após a publicação dos resultados (a extensão desse período pode variar segundo a área e as características próprias da pesquisa). Os pesquisadores e suas instituições de pesquisa são corresponsáveis pela guarda e conservação adequada de dados. A não conservação ou conservação inadequada caracteriza-se como conduta antiética.
No caso em que questões de correção científica ou ética do estudo desenvolvido tenham sido levantadas por terceiros, esses registros devem ser conservados até que essas contestações sejam completamente dirimidas.
42.1.7 Omissão e retenção de informações
A omissão de dados e a retenção injustificada de informações, especialmente no caso da pesquisa científica, estão relacionadas a posturas e procedimentos antiéticos que visam dificultar a replicação de estudos ou o desenvolvimento da mesma linha de pesquisa por terceiros.
Para que não se incorra nesta conduta antiética, recomenda-se que os registros do estudo permaneçam acessíveis a outros pesquisadores, revisores e agências financiadoras a fim de que possam verificar a confiabilidade da pesquisa, replicá-la ou dar-lhe continuidade. Tal acessibilidade apenas pode ser limitada por razões de ordem ética ou legal.
42.1.8 Autoria-fantasma
A autoria-fantasma (ghostwriting), que pode ser caracterizada tanto como manipulação de autoria (Grieger, 2007) quanto como plágio (Spinak, 2014), tem sido considerado como um sério problema de conduta antiética na área editorial em vários países.
Na autoria-fantasma, um autor escreve o trabalho, e seu nome não é relacionado na publicação. Esse caso está caracterizado, por exemplo, pela venda de trabalhos ditos “científicos”, encomendados normalmente via internet, desenvolvidos sem qualquer participação dos autores que assinam o texto final. A autoria-fantasma também ocorre como atividade não remunerada, muitas vezes com o propósito de encobrir conflitos de interesse.
42.1.9 Duplicação de publicação
A duplicação de publicação (publicação secundária, duplicada ou redundante) acontece quando uma obra se sobrepõe substancialmente a outra já publicada. Se for feita sem o devido consentimento de todos os envolvidos (autores, casa editora, instituições financiadoras, etc.), tratar-se-á de conduta antiética.
A duplicação de publicação, numa mesma língua ou em outro idioma, especialmente quando duplicada em outros países pode ser justificável (e até mesmo benéfica), desde que todas as condições a seguir sejam satisfeitas (International Committee of Medical Journal Editors, 2022):
- O autor deve receber aprovação dos editores de ambas as editoras ou revistas, e o editor responsável pela publicação secundária deve ter uma cópia da versão primária da publicação.
- A prioridade da versão primária deve ser respeitada com um intervalo de, pelo menos, 1 semana até que a versão secundária seja publicada (a menos que especificamente negociado de outra forma com ambos os editores).
- A versão secundária deve ser direcionada para um grupo diferente de leitores; uma versão abreviada pode ser suficiente.
- A versão secundária deve refletir fielmente os dados, as informações e as interpretações da versão primária.
- Uma nota (no anverso da folha de rosto ou no rodapé da primeira página da publicação da versão secundária) deve informar aos leitores e agências de documentação que a obra já foi publicada no todo ou em parte e incluir a referência à versão primária.
Ao submeter a uma editora ou revista científica um original idêntico ou substancialmente semelhante a outro já publicado ou submetido a outro veículo, o autor deve, no momento da submissão, declarar expressamente e justificar o fato ao editor.
42.1.10 Publicação-salame
A publicação-salame (fatiamento de publicação, publicação segmentada, slicing publication ou salami science) pode ser definida, em termos gerais, como a publicação de dois ou mais artigos derivados de um único estudo (Smolčić; Bilić-Zulle, 2013). Artigos desse tipo relatam os mesmos dados e resultados e são divididos injustificadamente em vários segmentos. Nesses casos, os autores consideram, em regra, o tamanho do conteúdo textual como o único critério para a divisão do estudo.
A publicação-salame é uma forma de autoplágio, porém distinta de duplicação de publicação, já que normalmente é caracterizada por semelhança de hipótese, metodologia, resultados ou conteúdo, mas não por semelhança de texto. É necessário considerar outros aspectos antes de se caracterizar um trabalho como publicação-salame, como nos casos a seguir (Passos et al., 2017):
- Se as hipóteses são questões completamente distintas, é aceitável que elas sejam colocadas em dois artigos separados.
- Se as hipóteses são questões estreitamente relacionadas, todo o trabalho deve ser publicado num único artigo.
- A publicação fatiada se dá quando os trabalhos cobrem os mesmos dados, o mesmo método e a mesma questão de trabalho.
- O fatiamento de pesquisa em mais de um trabalho não é legítimo se tiver como critério exclusivo a quantidade de resultados obtidos.
42.2 Consequências de condutas antiéticas
A detecção de prática antiética, no âmbito da comunicação técnico-científica, atinge imediata e diretamente o autor e/ou o seu grupo de pesquisa e, somente depois, ela atinge a instituição onde atuam. Esses impactos podem se dar, a longo prazo, em vários níveis e comprometem a confiabilidade da produção técnico-científica de autores e instituições. Indiscutivelmente, a integridade ética, especialmente no caso de pesquisa e produtos gerados por uma instituição, se refletirá na imagem e na reputação da própria instituição, podendo afetar também, perante a comunidade científica internacional, a reputação do país onde está situada.
Assim, os aspectos relacionados à garantia da integridade ética da pesquisa realizada e tecnologias desenvolvidas devem ser monitorados e disciplinados dentro da própria instituição, devendo também receber atenção dos órgãos e instâncias de fomento e de pesquisa.
Em muitos países, são as agências de fomento que desempenham papel central na formulação de instrumentos legais e aplicação de políticas de integridade (Santos, 2011). No Brasil, o primeiro passo no intuito de disciplinar a produção científica foi dado pela publicação intitulada Código de boas práticas científicas (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, 2014).
A Embrapa, assim como um grande número de organizações brasileiras de pesquisa e de ensino, segue as orientações expressas neste material e busca sensibilizar seu público interno (notadamente autores e membros de comitês locais de publicações) a detectar eventuais problemas de conduta ética, dirimi-los quando constatados e não publicar trabalhos que revelem condutas antiéticas em qualquer etapa de sua construção. Na sua página na internet, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (2016) disponibiliza outros documentos de interesse sobre o tema “boas práticas na pesquisa científica” publicados por instituições de fomento, ensino e pesquisa do mundo inteiro, que podem auxiliar pesquisadores e instituições na detecção e no tratamento de casos de más condutas éticas na comunicação científica.
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